MAYRANT GALLO
1) Por que você escreve?
Antes eu escrevia por necessidade de expressão e, de certa forma, para organizar o mundo à minha volta, compreendê-lo. Essa é uma utopia de muitos escritores: Moravia, Faulkner, Graciliano. Hoje, escrevo por diversão, gozo pessoal e, talvez, vaidade. Como só escrevo o que quero, sem pressão alguma de ninguém, não vou adiante se o texto não me fornecer prazer, ainda que seja uma simples crônica ou mesmo um ensaio. Quanto à poesia, é outra história: ainda escrevo (e acho que sempre escreverei) poesia impelido por uma inquietação, algo que está temporariamente dentro de mim e teima em sair, e só o faz mediante palavras, textura sonora, metáforas, ironia. Não é por acaso que se diz que só a poesia confere sentido ao homem e à vida. Ao projetarmos um novo eu a cada poema (o eu do poema não é o do poeta, fique claro isso), nos ampliamos como homens e, assim, nos justificamos perante nós mesmos, embora para nada, já que vamos morrer. Em suma, também escrevo, talvez inconscientemente, para amenizar o fato de que estou no mundo só de passagem. Neste caso, cada texto seria potencialmente uma pegada, um vestígio de nós entregue, por algum tempo, à indiferença do mundo.
2) O que gostaria de escrever e por quê?
Gostaria de escrever um romance policial, porque aprecio muito este gênero, tão mal-visto e tão mal-lido. Todavia, o meu propósito é bem mais complexo do que aparenta (e talvez por isso eu jamais o realize), pois tenho em mente dar vida, precisa e profunda, a uma determinada época e um determinado lugar. O entrecho seria policial, mas na verdade a intenção seria investigar um mundo específico, com sua gente, suas particularidades, seus sonhos, amores, medos e desavenças. Algo assim como A colméia, de Camilo José Cela, ou Santuário, de Faulkner. Além disso, penso que a linguagem deveria, por violação ao gênero e sugestão do assunto, transitar para a poesia, a prosa poética, em tom artístico, o que seria uma difícil empresa, tanto para mim – uma vez que o gênero policial deve forçosamente ser límpido e direto – quanto para o leitor, que, em geral, ao ler um romance de tal ordem, não quer perder tempo atentando para a linguagem, pois não admite se desviar da trama: a investigação de um crime ou o crime em si. Confesso que já tentei escrevê-lo três vezes e fracassei em todas. Meu consolo é que pelo menos um desses textos abortados deverá se transformar num conto. Aos outros dois, vai bem o lixo...
Mayrant Gallo(1962). Contista e poeta. Autor de O inédito de Kafka (CosacNaify, 2003).