segunda-feira, 30 de abril de 2007

"Perfil"(3)

AUSÊNCIA


Há um vácuo de mulher em minha alma,

uma ausência — física e dolorosa —

de mulher em minha alma.

Como veio, não sei.

De quem veio, não sei.

Sei que há um vácuo de mulher em minha alma

— físico e doloroso —

como a falta de pão num dia santo.


Elieser Cesar (1960) é natural de Euclides da Cunha – BA. É poeta, ficcionista, jornalista e professor universitário. Tem publicado O Azar do Goleiro (novela, 1989), O escolhido das sombras (contos, 1995), Os Cadernos de Fernando Infante (poemas, 1997) e A Garota do Outdoor (contos, 2006). Integra a antologia A Poesia Baiana no século XX, organizada por Assis Brasil em 1999.

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Com a Palavra...

RENATA BELMONTE



1) Por que você escreve?

Como todos os seres humanos, eu carrego uma dor difícil de ser explicada, nomeada. A literatura não é a cura dela, mas apenas a forma que encontrei de buscar compreender a natureza desse mal-estar. Através das palavras procuro o imponderável, o invísivel de todas as coisas. Nem sempre consigo alegrias ou vitórias, em algumas situações, a ferida fica ainda mais inflamada. Esse tipo de exercício de sofrimento é algo que se tornou para mim essencial, tão penoso quanto prazeroso. Não sei viver sem traduzir meus medos e angústias. E concordo plenamente com Kafka quando ele diz que ser escritor, antes de uma dádiva de Deus, é uma ordem do inferno.



2) O que você gostaria de escrever e por quê?

A Legião Estrangeira de Clarice Lispector é um conto que me causa absoluta perplexidade. Gostaria muito de ter feito um trabalho como esse. Ele é um assombro, um raio de lucidez, há algo de insólito nele que me fascina. Acredito que Clarice, depois deste texto, não foi mais a mesma. Através da literatura somos capazes de compreender outros mundos e de avaliar melhor o nosso. E a Legião Estrangeira nos permite a devida compreensão de algo muito profundo: somos estrangeiros até para nós mesmos.

Renata Belmonte nasceu em 13 de março de 1982. Escreve desde a infância. Tem diversos trabalhos publicados em revistas literárias como Iararana, Cronópios, Bestiário e Blocos On Line. Aos vinte e um anos, ganhou o Prêmio Braskem Cultura e Arte - 2003 com o seu livro de estréia, Femininamente. É ainda autora de O que não pode ser, livro vencedor do Prêmio Arte e Cultura Banco Capital 2006.
(foto: Lucas Faellace)

terça-feira, 24 de abril de 2007

Da equipe

Nada a dizer

Um ponto qualquer do papel
é mar onde singra o poema.

Pena que nem sempre se vê,
se sente ou se escuta o sopro
do verso.

Verde, vereda
verdade!?

um convite à folha branca.

Georgio Silva (1981)



Poética


Vaga lembrança
A vozinha perdida na infância.

Paulo André (1978)



Composição

É frio o papel
Onde escrevo.

São invisíveis
As pontas atingidas
Pelo meu novelo.

É frio o verso
Que se rompe.

É fria a natureza
Da minha palavra.

Thiago Lins (1978)

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Com a Palavra...


CARLOS BARBOSA

1) Por que você escreve?

Escrevo para ludibriar a morte. Tento distraí-la com minhas patacoadas.


2) O que você gostaria de escrever e por quê?

Gostaria de escrever a biografia romanceada de Zequinha Barreto, guerrilheiro morto no sertão da Bahia ao lado do ex-capitão Carlos Lamarca. Considero Zequinha Barreto personagem-símbolo do jovem brasileiro que viveu sob os tacões da ditadura militar. Zequinha foi seminarista, militar, estudante secundarista, metalúrgico, violonista, compositor, dirigente estudantil e sindicalista, militante partidário, agitador grevista, prisioneiro, tornou-se clandestino, guerrilheiro, um sujeito arretado, um nordestino-sertanejo falante de pelo menos duas línguas estrangeiras, um baiano da gema apreciador de música e uma boa farra. Tenho esse projeto literário alinhavado, mas as dificuldades de execução não são poucas. Depende de viagens a vários estados da federação, dezenas de entrevistas, pesquisa em arquivos diversos etc etc, que representam um custo financeiro que não posso bancar. A história de Zequinha é riquíssima em aventuras e grandiosidade humana. Espero um dia reunir condições para escrevê-la. Por enquanto, satisfaço-me em colocar como pano de fundo de meu novo romance, "Beira de rio, correnteza", os dias em que os agentes da ditadura perseguiram Zequinha e Lamarca nas beiradas do rio São Francisco.

Carlos Barbosa (1958) é escritor, jornalista e advogado. Natural de Ibotirama – BA. Tem publicado Água de Cacimba (poemas, 1998) e A Dama do Velho Chico (romance, 2002). Mais textos do autor nos endereços miniconto.zip.net e contosempre.zip.net.


terça-feira, 17 de abril de 2007

"Perfil"(2)

A louca e a lua

Achavam na rua que ela era louca. Não trabalhava, não estudava, não tinha família e falava muito pouco ou quase nada, somente quando lhe perguntavam alguma coisa e ainda assim com uma voz tão baixinha que quase ninguém a escutava. Comia o que lhe davam de caridade na igreja e vivia contente assim, andando e olhando pro céu, como se quisesse voar, como se fizesse parte do mundo lá de cima e não desse aqui. E tinha um estranho hábito: catava carteiras de cigarros que ia encontrando pelo chão ou no lixo. Um dia as pessoas da cidade resolveram fazer uma festa em comemoração ao padroeiro São Jorge: seria uma festa com missa, quermesse, procissão, feirinha de artesanato e até uma peça de teatro com o santo guerreiro e o dragão brigando na lua. Ela pediu para fazer parte da apresentação e riram dela. Insistiu tanto e aquilo era tão uma novidade que as pessoas aceitaram sua participação na peça (já que na quermesse, na missa ou na feira ia ser mesmo difícil achar alguma tarefa pra ela fazer). Ela assistiu aos ensaios calada, sem dizer palavra, com um sorriso de mãe de deus estampado na alma. Nem deram por sua presença. No dia da festa, no meio da confusão que fervia na cidade – isso eu nunca vou esquecer –, um silêncio de pedra tomou conta de todos, foi uma revelação, quase uma epifania: era ela, aquela mesma mulher, agora tão radiante e linda, meu deus, que apareceu na praça vestida de lua, com uma fantasia feita com o papel laminado das carteiras de cigarro. A cidade nunca mais foi a mesma. Dizem até que naquele dia São Jorge venceu o dragão e desceu do céu, no rabo de uma estrela, para agradecer.

Adelice Souza (1973), nasceu em Castro Alves -BA. Mora em Salvador. É graduada pela Universidade Católica do Salvador em Comunicação Social e em Direção Teatral pela Universidade Federal da Bahia, onde atualmente leciona Dramaturgia e Preparação do Ator. Como diretora, dirigiu os espetáculos “O Beijo no Asfalto” (1997), “Hamlet-Machine”(1997), “A Balsa dos Mortos”(1998), “De Alma Lavada”(1999) e “Red não é vermelho” (2001) e "Na Solidão dos Campos de Algodão"(2004). “De Alma Lavada” e "Na Solidão dos Campos de Algodão" receberam três indicações ao Prêmio Copene de Teatro. Dirigiu também o Palco Maracangalha na 53 SBPC Cultura. Como autora e diretora dirigiu “Fogo Possesso”(2005) e “Metamorphos-In”(2006), adaptação de “A Metamorfose”, de Franz Kafka. Ganhou o Prêmio Copene de Literatura 2001 com o livro de contos “As camas e os Cães”, premiado também pela União Brasileira dos Escritores(RJ) com o Trofeu Jose Alejandro Cabassa como o melhor livro de contos publicado em 2001.Em 2003 e 2004 ganhou o Concurso de Contos Luiz Vilella. Em 2003, venceu o Concurso de Contos do Banco Capital, que publicou o seu segundo livro "Caramujos Zumbis". Em 2005, integrou a coletânea da Ed. Record, organizada por Luiz Ruffato, "As 30 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira".

sábado, 14 de abril de 2007

MÁSCARAS

Um sorriso disfarça a dor
e esconde segredos:
solidão, desespero, medo.

Uma palavra dissimula
e guarda no peito
uma alma que sonha:
lágrimas poucas, exaustas, anônimas.

Lidiane Nunes(1983), natural de Salvador – BA, reside em Feira de Santana. É estudante de Letras Vernáculas da Uefs. Ensaia os primeiros poemas. Mantém o blog lidianja.weblogger.com.br . Confiram.

quarta-feira, 11 de abril de 2007

AS IRMÃS

REFÚGIO

O vento no meu ouvido,
algo que não posso dar,
um barulho, um zumbido,
e este verbo transtornar.

Um pedido bem distinto,
o coqueiro a balançar.
Sem defesa, sem gemido,
o meu corpo vai ao mar.



Marcela Soares nasceu em 29 de fevereiro de 1984, na cidade de Camaçari-BA. Reside há 13 anos em Feira de Santana, onde se formou em Letras Vernáculas pela UEFS. Atualmente, cursa o Mestrado em Literatura e Diversidade Cultural na mesma instituição.




INTOLERANTES

Ele disse sim.
Ela, não.


Dois corpos ao chão.



Daniela Rodrigues (1986), natural de Camaçari-BA, reside em Feira de Santana desde 1994. É estudante de Direito da UEFS e compõe poemas, aos poucos, devido ao grande prazer que essa atividade lhe proporciona.

sábado, 7 de abril de 2007

"Perfil"

PAI
I
Nas noites de chuva não dormia
indo sempre à cozinha
prever a fúria do rio.
Que fúria que nada
O rio gafanhoto nos adormecia
sem entrar na cozinha.
Mas ele não dormia e velava
o nosso sono e o sono do rio




Pai
II
Insistiu que eu escrevesse
sua biografia.
Ditou fatos importantes
fundações, sofrimentos,
descobertas.
Insistiu que eu fizesse
registrada sua vida.
Era preciso, quase dizia,
que tantos outros soubessem
os feitos, as lutas,
os dias.
Insistiu que eu escrevesse
na minha letra de infância,
perdida para sempre
em meio a sua biografia.


Ângela Vilma é poeta, contista e professora. Nasceu em Andaraí-Ba (1967). Aos 22 anos, publicou o seu primeiro livro de poesia, Beira-Vida, ainda morando em Andaraí. Seguindo com Poemas Escritos na Pedra (1994). Participou da coletânea Sete Faces (1996), juntamente com seis poetisas, amigas e colegas da Universidade. No período de 1997 a 1999, foi uma dos coordenadores das publicações literárias do Museu de Arte Contemporânea (MAC) de Feira de Santana. Também participou das coletâneas Concerto lírico a quinze vozes (2004) e Tanta Poesia (2006).

domingo, 1 de abril de 2007

"ANTEPROJETO AMOROSO”

Qualquer dia desse te meto entre aspas. Sujo meu texto mas limpo minha vida. Direi da noite que se aproxima algo que me deixe teso. E cairei na city feito água de chuva. Trocarei de agenda, rodarei nas curvas, não mais usarei samba-canção, cantarei forró pé-de-serra, elogiarei o último Wenders só de sacanagem e viajarei para Capão. Tu, entre aspas; eu, entre pernas macias, entre atos insanos, entretudo. Dia desse. Quando conseguir reter teu nome em meu olhar.

Carlos Barbosa. Escritor, jornalista e advogado. Natural de Ibotirama - BA (1958). Publicou Água de Cacimba(poemas, 1998) e A Dama do Velho Chico(romance, 2002). Foi premiado em 2001 pelo Minc, pelo roteiro de um longa-metragem baseado no romance A Dama do Velho Chico. Mais textos do autor nos endereços miniconto.zip.net e contosempre.zip.net.