sábado, 29 de setembro de 2007

Um poema de Idmar Boaventura

Retrato

Mil velas apagadas
luzes
que não são mais que
Que cinza
e dores.

E somos os mesmos
(a sombra e a noite),
os mesmos desde ontem,
ainda que mudados –
pois estamos perdidos
por estes caminhos rudes.
E estamos com medo
E cegos.

E percebemos mil velas apagadas
como quem percebe um rio
quando não há rio
e ouve o som das águas
e, em silêncio
aguarda.

Aguarda .

Idmar Boaventura é poeta, mora em Conceição do Jacuípe. Mestre em Litaratura Brasileira pela UEFS. Tem publicado o livro "O desossar (d)as horas.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

O olhar estrangeiro de um poeta baiano*




(Foto crédito - Dimitri Vicenzi).


Quando decidiu trocar Salvador pela Europa, em 1990, Natan Barreto, que morou até os 19 anos no subúrbio de Periperi, não imaginava que essa experiência fosse transformá-lo num escritor apaixonado pela poesia. Atualmente, residente em Londres, ele retorna à capital baiana para lançar "Esconderijos em Papéis", seu segundo livro de poesias. A publicação, que ganha lançamento no dia 18 de setembro, às 19 horas, na livraria Saraiva, no Shopping Salvador, reúne 63 poesias, escritas ao longo de seis anos com o cuidado de um artesão. "Acho que o meu olhar de estrangeiro, de quem teve que aprender outros idiomas e ver o mundo novo e o mundo que havia deixado para trás com outros olhos, me fez o poeta que sou", conta ele.

Os versos de Natan nasceram e se consolidaram a partir do silêncio. Isso tem uma ligação direta com a outra atividade artística do baiano: a interpretação. Após graduar-se em teatro pela Uni-Rio, ele foi morar em Paris. Para ganhar algum dinheiro por lá, posava como modelo para pintores e desenhistas da Escola de Belas-Artes, especialistas em nu artístico. "Foi um tempo de silêncio. Passava até três horas imóvel e sem roupa. Nisso comecei a pensar frases, que ainda não eram versos, mas que já começavam a ser mais do que prosa", recorda.

Quando pisou em Paris, ele queria lapidar o francês que havia começado a estudar na Aliança Francesa, no Rio de Janeiro, cidade onde morou por quatro anos. Buscava outras formas de se sustentar, pois não queria atuar, devido a um recente medo do palco. No entanto, acabou co-escrevendo o roteiro e atuando em dois curtas-metragens, em Paris. Além disso, trabalhando como modelo, ele não conseguiria fugir totalmente da interpretação, já que dependia da expressão para ser retratado.

"Acho que se houve uma transição entre o ator e o poeta, foi naquele período", comenta. Ali começava a nascer o poeta, que registrava no papel essa experiência de ser estrangeiro, além da necessidade latente de se esconder. Daí o nome do livro "Esconderijos em Papéis". "Na poesia que dá título ao livro, falo do ato de se esconder por trás do papel do ator e no papel escrito. Até que ponto você pode realmente se esconder? No palco, a exposição por trás do papel de um personagem me incomodava. No papel poético, me exponho também, mas no momento que alguém lê meus poemas, eu já não estou ali, estou invisível, muito mais escondido do que no palco", diz.

Em algumas poesias do novo livro, editado pela Editora Kalango, aparece ainda um tema que se impôs a Natan de uma maneira muito forte em um curto espaço de tempo, a morte. Recentemente, ele perdeu uma tia, a mãe, e por último, o pai. Afetos e amores que o traziam a Salvador a cada ano.

Em homenagem à mãe, ele também fará o lançamento do livro na Escola Modelo Eunice Palma, que pertencia a ela. Já no dia 25, retorna a Londres, onde haverá mais um lançamento da publicação.

Na capital britânica, Natan atua como tradutor e intérprete. Além disso, coordena, desde 2000, o projeto "Encontros Poéticos", voltado para a divulgação da poesia e de poetas de língua portuguesa, tendo se apresentado na Embaixada do Brasil em Londres, em festivais literários, museus e universidades inglesas. Entre seus autores preferidos estão nomes como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Mello Neto e Vinicius de Moraes, além do poeta francês Arthur Rimbaud e do americano T. S. Eliot.

Apesar de ser radicado em Londres, 99% das poesias de Natan são escritas em português. Ele julga que em inglês sua expressão poética não tem a mesma força da língua-mãe. Dentre as poucas poesias escritas no idioma britânico, ele destaca duas: “Ruínas” e “A casa em chamas”. Foram inspiradas em fotografias do brasileiro Sebastião Salgado para ilustrar a exposição "Migrações", feita pelo fotógrafo em Londres, no ano de 2003. Foram convidados 15 poetas ingleses e um único poeta brasileiro, Natan. Na exposição, o texto acompanhava a foto, mas também podia ser ouvido na voz gravada do autor. "No entanto, acredito que a minha poesia verdadeira seja a que escrevo em português", salienta.

Sobre o autor - Natan Barreto nasceu em 1966, em Salvador. Graduou-se em Interpretação Teatral pela Uni-Rio. Além de Londres, onde reside desde 1992, morou também em Paris e Roma. Seu primeiro livro de poesias, "Sob os Telhados da Noite", foi lançado em 1999. Há dois meses, ele finalizou seu primeiro romance, que, aliás, levou dez anos para ser escrito devido à rigidez em busca da qualidade. O autor chama isso de um trabalho solitário.

"Fico horas olhando cada verso, cada palavra, cada vírgula. Reescrevo muito meus textos. Tem alguém que disse que se você quer ser relido, então, reescreva", frisa. Os originais já estão em uma editora londrina, mas o autor adianta que, muito provavelmente, este deverá ser o único da carreira no gênero, pois se vê mesmo escrevendo poesias, além de querer retomar a produção de roteiros. As poesias de Natan Barreto também farão parte de uma publicação, que será editada, até o final deste ano, pela Universidade Federal de Minas Gerais. A coletânea contará com a participação de autores brasileiros que vivem em países estrangeiros. A edição será bilíngüe e lançada no Brasil e nos países nos quais moram os escritores.
*POR MÁRCIA FERREIRA LUZ


Serviço: Esconderijos em Papéis (poesias)Editora Kalango
Autor - Natan Barreto
Lançamento - 18 de setembro de 2007, às 19 horas
Local - Livraria Saraiva / Shopping Salvador (3363-4308)
Preço sugerido - R$ 20
Mais informações: Márcia Ferreira Luz - jornalista(71) 8834-0857


Esta semana estarão postados aqui três poemas do autor.





domingo, 9 de setembro de 2007

POUCAS E BOAS...

BEM, CAROS LEITORES.
A NOSSA REVISTA, EM SUA MISSÃO DE GARIMPAR O QUE DE NOVO HÁ FEITO AQUI, OU POR GENTE DAQUI ESPALHADA PELOS QUATRO CANTOS DO MUNDO, TRÁS MAIS UMA DAS SUAS: A NOVA SÉRIE DE ENTREVISTAS ENTITULADA POUCAS E BOAS, NUMA TENTATIVA CLARA DE POR, PARA VOCÊ LEITOR, O SUMO DO NOSSO TRABALHO. E PARA ABRIR ESTA SÉRIE, RENATA BELMONTE RESPONDE AS POUCAS PERGUNTAS COM BOAS RESPOSTAS. ENFIM, BOA LEITURA PARA TODOS.
EQUIPE "ENTRE ASPAS"
Entrevista-concedida à Georgio Silva


“Entre Aspas”- Muitos dos seus contos tem um ambiente cromático e musical bem presente. Já pensou em adaptar alguma de suas histórias para um roteiro de cinema?

RENATA BELMONTE: Um dos meus grandes sonhos é trabalhar com cinema. Confesso que já pensei muitas vezes em transformar alguns dos meus contos em roteiros. Apenas não o fiz porque não conheço pessoas da área e não sei como poderia viabilizar tal projeto. Mas isso não significa que estou fechada para a idéia. Muito pelo contrário, penso sempre no assunto. Quem sabe nos próximos anos não surge uma boa oportunidade?


"Entre Aspas”- - Como surgiu a idéia do blog?

RENATA BELMONTE: O Vestígios da Senhorita B. é fruto de uma intensa busca pessoal. Nos últimos tempos, estava insatisfeita com minha vida e comecei a sentir necessidade de produzir algo que trouxesse alegria para o meu cotidiano de forma rápida e instantânea. E isto o meu blog tem me proporcionado. Nele, exercito minha escrita, publico contos curtos, democratizo o acesso aos meus textos e relembro biografias de pessoas relevantes. Através do olhar sobre outro, acredito que cresço enquanto ser humano. Ademais, ter este projeto paralelo está me fazendo muito bem. A interação com o leitor e a possibilidade de falar sem ressalvas sobre assuntos que me são caros, são apenas alguns dos pontos positivos do Vestígios.


"Entre Aspas”- - Como encara a literatura e mundo? Simetria? Assimetria ou fusão?

RENATA BELMONTE: Tudo que escrevo reflete a minha constatação de que as regras deste mundo não são coerentes. No meu universo literário, há uma intensa busca por uma lógica de vida diferente da usual. Para meus personagens, não existem limites óbvios entre o real e o imaginário. Afirmações como “isso não existe” ou “isso é impossível” não cabem nos meus contos. Acho que a minha literatura nada mais é do que o meu grito de incompreensão. Faço perguntas a Deus através dos meus personagens. E, enquanto não recebo as suas respostas, permaneço escrevendo. Esta é a forma que encontrei de sobreviver sem perder a delicadeza.

"Entre Aspas”- - Há algo novo de Renata Belmonte prestes a sair em livro?


RENATA BELMONTE: Sim, faço parte da antologia de contos Outras moradas que será lançada em outubro pelo Banco Capital.


"Entre Aspas”- - Leituras, Sem censura, Soterópolis... Como é estar a desfiar sobre você e sua escrita diante das câmeras?


RENATA BELMONTE: As duas experiências foram incríveis. Logo depois dos programas, recebi um monte de e-mails de leitores interessados em adquirir meus livros. Sempre é bom vivenciar novas coisas, conhecer pessoas interessantes, respirar uma atmosfera diferente. Fiquei muito grata pelos convites. Eles foram boas oportunidades de divulgação do meu trabalho.

"Entre Aspas”- - A internet e a literatura em simbiose, como Renata explica suas incursões na teia digital?


RENATA BELMONTE: Meu primeiro conto foi publicado na Internet. Lembro-me perfeitamente da alegria que senti ao receber um e-mail da Leila Miccolis falando sobre este meu trabalho. Colaborei muito com o Blocos on line, dentre outras revistas eletrônicas. A Internet foi o primeiro espaço que me acolheu e me deu legitimidade. Segui em frente porque recebi boas respostas dos meus leitores virtuais. A rede foi muito importante para a construção da minha auto-estima enquanto artista.

"Entre Aspas”- - Como você vê esta galera nova que mergulha na literatura, sobretudo se utilizando de mídias digitais?


RENATA BELMONTE: Eu acho ótima essa renovação. Não gosto muito da idéia de grupos e acho importante que surjam novas e independentes vozes literárias. Apenas penso que as facilidades de publicação na Internet não devem atrapalhar o ofício do escritor. Constantemente, navegando pela rede, leio textos ainda muito imaturos e sem nenhum cuidado formal. Acho que devemos avaliar com cautela o que publicamos. Todo trabalho literário precisa de um tempo de amadurecimento. E nem sempre ele é compatível com a velocidade da rede.


"Entre Aspas”- - Você é leitora voraz. Fale de um(s) livro(s), um(s) filme(s) e um(s) poema(s) que não podem faltar entre suas preciosidades?


RENATA BELMONTE: Desde que li o primeiro parágrafo do livro O amante, me apaixonei. Marguerite Duras foi definitivamente um dos meus melhores encontros literários. Quase todas as noites, antes de dormir, substituo minhas orações pelas palavras dessa grande autora. Já quanto ao filme, escolho Encontros e Desencontros (Lost in Translation). Esta história de amor sem romance é uma das maravilhas do cinema contemporâneo. Gosto tanto que a epígrafe de O que não pode ser é dele. Por último, trago este verso da Hilda Hilst: “Se eu soubesse de nuvens, Como te sei, Não diria o que disse, Nem faria o poema. Olhava apenas.” No meu último aniversário, ganhei alguns livros de poesia dela. E me encantei com todos. O poema citado pertence ao Da Morte. Odes Mínimas que é absolutamente sublime, maravilhoso.



"Entre Aspas”- - O que você perguntaria a RENATA BELMONTE, ou o que você não perguntaria?


RENATA BELMONTE: Eu não me perguntaria o que eu, além de escrever, pretendo fazer na vida. Todos os dias me faço esse questionamento e não encontro nenhuma resposta satisfatória.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Cachorro morto em noite chuvosa

sou de uma raça de cachorro ruim
desassossegado pelo sangue que
brota das noites-incompletudes escorrendo
em angústias esquivas
sou de uma raça de cachorro mau
nauseado pela lua opiada nas
madrugadas latejantes de desejos lascivos
bebendo peçonha tumultuando
os jardins com excrementos perversos.
então escancaro uma
réstia lanosa de lágrima
quando me queimo em tua lua segredada
quando substancialmente o animal
estúpido cura sua compaixão.


NELSON MAGALHÃES FILHO nasceu em Cruz das Almas - BA. É artista plástico formado pela Escola de Belas Artes da UFBa, onde foi professor substituto de pintura. Premiado nas Bienais do Recôncavo, nos Salões Regionais de Artes Plásticas, em 1999 ganhou o Prêmio Copene de Cultura e Arte (atual Braskem). Publicou poemas no Jornal A Tarde, Leia (SP), Revista Exu, Reflexos, etc.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

SILÊNCIO, POR FAVOR

Ouvira num lugar qualquer a palavra “dissensão”. E essa palavra se fixara em sua mente, acompanhando-a e sendo usada quando havia necessidade de falar algo muito importante e grave. Faltava-lhe critério para uso do termo, não dominava a língua culta, não concatenava as idéias de forma que pudesse dizer o tudo que sentia de forma clara e com um sutil toque de charme e melancolia que tanto gostava (imaginava-se como uma atriz daqueles filmes “cult” franceses que um dia Assistiu num desses cinemas de cadeiras desconfortáveis).
Seu namorado, possuidor de certo conhecimento, desse de teses, dogmas e similares, reclamava freqüentemente de sua incapacidade de falar coisas proveitosas, das artes, das questões filosóficas e de outras aflições do tipo, enquanto ela pensava na palavra mais bela que um dia escutou. E distraía-se olhando para o nada; suas pupilas fixas e imóveis, enquanto ele falava e falava e falava. Depois, ela abria as pernas. Fazendo-o esquecer dos falsos tormentos. Dizia sacanagens, em seu linguajar coloquial-quase-chulo (não gostava de labirintos e filosofias, mas o amava e tinha medo de perdê-lo).
Em sua mente, só a tal palavra. Tão linda e forte, uma palavra robusta, valorosa: dita por ela, uma merdinha insignificante, frouxa e dispensável. E lembrava dela, da palavra. E da vida, de seu sincero sentimento, chorando de dor e felicidade, enquanto com agulha e linha (os olhos em lágrimas, as perfurações em seus lábios), costurava a própria boca, para poder amar seu homem em silêncio.


GUSTAVO RIOS nasceu em 1974. É baiano e mora em Salvador. É autor do livro de contos O amor é uma coisa feia, lançado pela editora 7 letras. Escreve regularmente nos blogs www.cozinhadocao.blogspot.com e http://feioamor.zip.net.