terça-feira, 29 de abril de 2008

[sem título]

"Parece-me que sempre serei feliz
no lugar onde não estou" (Charles Baudelaire)



depois de tudo, concluo que
um dia preciso me trancar
em casa e não ver mais ninguém:
seis anos de reclusão, obrigada

então uso a rede como remédio
e me esqueço, entregue
à indiferenciação entre as coisas:
diluída e inerte na massa física do mundo

saio e, pela janela do carro, olho
e me vejo refletida no espelho:
estarei para sempre limitada
ao território do corpo em movimento


KATHERINE FUNKE é jornalista e escritora. Mantém o blog notas mínimas(notasminimas.blogspot.com)

sábado, 26 de abril de 2008

III. DE 100 Fundamentos

O sol cansado se despia no horizonte e o Mestre Zen tinha visitas: um jovem militar vindo de um país distante. Enquanto moço mirava a alva face anciã em busca de respostas, o velho Mestre Zen já preparava o chá de meditação seguido de uma lição de moral silenciadora.
Dos campos de arroz no fundo do monastério veio a resposta que o soldado procurava, um discípulo encontrou um fuzil na plantação. O fardado deu graças ao menino e em retribuição jogou um cogumelo nuclear em sua careca.

RICARDO THADEU,Natural de Riachão do Jacuipe-Ba edita o blog www.ricardothadeu.blogspot.com

terça-feira, 22 de abril de 2008

DOIS POEMAS DE ELIESER CESAR

CINAMOMO

Na encruzilhada da vida,
Já não sei que caminho tomo;

se sou velho, menino ou gnomo;
se, entro num bar, peço uma cachaça e tomo.

Pegarei o Dom Quixote para ler o segundo tomo?

Mas, sei – ò, bem sei, que triste tombo!

Não há de chorar por mim um cinamomo.



PELOURINHO

Não julgo cor,
nem escolho tribo
(toda cisão me atrapalha).

Não tenho Deus,
nem o Diabo
que me valha.

Não sou (e isto é o bastante),
proprietário da casa-grande,
nem inquilino da senzala.


ELIESER CESAR (1960) é natural de Euclides da Cunha – BA. É poeta, ficcionista, jornalista e professor universitário. Tem publicado O Azar do Goleiro (novela, 1989), O escolhido das sombras (contos, 1995), Os Cadernos de Fernando Infante (poemas, 1997) e A Garota do Outdoor (contos, 2006). Integra a antologia A Poesia Baiana no século XX, organizada por Assis Brasil em 1999.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Um pequeno conto

Lembranças


Há dias em que fatos acontecem que parecem já terem acontecido. Dias que seguem cotidianamente em que você sabe o que tem que fazer como pegar um resultado de seleção para professor e você vê este fato como uma repetição de algo que já aconteceu. Estranha coincidência que você esquece no resto do dia. Outro dia você vê alguém e pensa já tê-lo encontrado nas mesmas circunstâncias. E você nunca o viu. Numa manhã você acorda e pensa já ter acordado nesta mesma manhã: o sol, o dia, os dentes, a creme dental são os mesmos. Você se pergunta se já vivera a sua morte? Você não sabe. Outro dia qualquer você vai à escola, as aulas o esperam. Caminha na mesma rua escura, dois homens acompanham-no. E você sabe o que vai acontecer.

Carlos Borges (1982) é escritor. Mora em São Gonçalo. Tem publicado o livro de contos "O disco".