sábado, 28 de junho de 2008

Na manhã que se anuncia...

Para Carlos Barbosa, desde as barrancas do rio...Da equipe "Entre Aspas"
Rasga o sol, em sua confusão de raios, ligeiramente enfileirados. Isto é o amanhecer de minha terra. Um som ao longe mostra que não sou só eu que estou acordado, há mais alguém, alguma coisa se move além dos meus olhos semi-despertos, perdidos, na tímida coloração que ganha o dia nascido.O cheiro da terra coberta de sereno, revolvida por passos incipientes, os meus, prende-se às minhas narinas.
A cacimba, água doce, minha infância que se projeta na sua superfície inexata, desfeita em ondas, pedra que joguei faz pouco...
É chã minha lida, meu umbigo preso a terra.
As partículas todas, os seixos em minhas sandálias, o couro que recobre pés gastos do dia, da sina de quem vive nestas paragens recobertas pelo céu desnudo sobre a cabeça que ostenta a grandeza do chapéu de palha. A pindoba verde que se colhe, e seca, para que a velha mãe cumpra em seus dedos a esteira nova. Afã do meu descanso, algo escasso num dia curto de lida. Salvo com goles na cabaça, oco invólucro, depósito da santa água, razão das longas caminhadas, dos martírios, das mortes de homens e gado.
O golpe exato da peixeira nos sulcos escuros do caminho. A Terra dará seus frutos adubados com sangue... E abriremos a nova terra à foice e facão.É o sol já alto. A enxada ditará o dia de hoje, dia de sempre, até que se esconda outra vez o sol, que segue a curtir minha brônzea pele de filho da terra...

terça-feira, 10 de junho de 2008

LÚCIA E OS PEIXES

O PEIXE-PESCADOR

O peixe-pescador
parece pedra
parece rocha.

Está sempre parado,
com os olhos arregalados.

O peixe-pescador não nega a natureza.
Abre a boca com esperteza,
cheio de malícia, tem até sua própria isca.


PEIXINHOS

Eu falo
danço
subo, torço
retorço.

Ébrio de
cor
em cor
na cor
sou sempre outro.

Vermelho-caju
azul-mirim
amarelo-capim
jasmim
assim
nos teus jardins
de ninhos
olhinhos
diversos peixinhos.


PEIXE-VOADOR

Da água verde,
um peixe reluzente salta e ganha o céu.


LÚCIA SANTÓRI-CARNEIRO é professora e poeta. Poemas extraídos do livro As voltas do tempo ( Salvador: Fundação Pedro Calmon, 2008)