terça-feira, 30 de outubro de 2007

Um conto de Mayrant Gallo

A MÁQUINA DO DR. K.

Desde o início, soube que usaria a máquina. De nada adiantou protelar sua decisão. Isso apenas permitiu a colaboração indireta da esposa, que o rejeitou na cama e pela manhã saiu sem aviso. Sua imaginação fez o resto. Essa gota de oceano o empurrou mais cedo para a máquina. Num fim de tarde nublado, dirigiu-se ao prédio decadente e sondou a existência do obscuro Dr. K., o inventor e primeiro explorador do inconcebível artefato.

A partir de então só pensou na máquina e nas vantagens asseguradas: novo rosto, novo corpo, outra personalidade. E com isso outra vida. Todavia, era preciso não se iludir: a transformação tornava as pessoas apenas outras pessoas, mas em tudo iguais a quaisquer outras. Os hábitos, embora novos, continuavam os mesmos, coerentes com a espécie. A transformação obedecia, por um lado, ao gosto do usuário e, por outro, a uma fórmula já consagrada pela própria vida. Foram estes, em suma, os prós e os contras expostos pelo Dr. K. A última condição era: uma vez transformada, a pessoa não podia voltar atrás e, por conseguinte, só poderia se submeter a uma nova transformação oito anos depois. Tal exigência não era de natureza contratual, mas fisiológica, uma limitação do corpo humano...

Nos dias que se seguiram, organizou-se como se fosse partir em viagem de férias. Despedia-se, era evidente. A esposa se surpreendeu. Ele consertou todos os eletrodomésticos parados havia meses e, sem nunca ter manuseado antes um pincel, retocou as paredes manchadas pelo desespero de ambos. Também poliu os móveis e saiu em busca de novos suportes para as cortinas dos banheiros. Os reparos em sua vida íntima não foram poucos: passou a acordar mais cedo e convidar a esposa para caminhar, e a ir com ela às compras, quase interessado ou pelo menos em silêncio, a observar sua destreza em escolher e avaliar os produtos, respeitando sua natureza retraída e cautelosa. Fatos assim, se recorrentes, dispensariam a máquina...

No trabalho, livrou-se diligentemente de todas as pendências. Desengavetou antigos projetos e, atualizando-os, deu-lhes nova forma, redação mais precisa, livre de ambigüidades. Em duas semanas, o chefe o congratulou pelo entusiasmo dos últimos dias. Naquela tarde, saíram e se conheceram melhor. Quase se tornaram amigos. E marcaram uma pescaria, à qual levariam, ele a esposa, e o chefe a jovem namorada. Estavam bêbados e, por isso mesmo, mais íntimos, sem reservas. Chegou tarde em casa, mas ainda assim a esposa o esperava, afável e excitada. Prolongaram-se na cama, rindo e conversando. Depois lancharam e voltaram a se amar. O sol subia no horizonte quando afinal adormeceram, esquecidos dos sombrios temores dos últimos meses.

O segundo encontro com o Dr. K. aconteceu, apesar da felicidade que agora o contemplava. Com a esposa, era como se tivessem voltado aos primeiros dias. Transformada, ela por muito pouco não retomara aquela fisionomia inicial, que lhe tirava o sono. Mesmo assim, não mudou de idéia. Seguia por trilhos sem volta. O Dr. K. o obrigou a preencher uma enorme papelada e em seguida, tendo chamado sua jovem assistente, o introduziu na sala onde estava a máquina, uma alta cápsula metálica, de superfície uniformemente lisa, com duas imperceptíveis portas, uma de cada lado. Afora isso, nenhum botão, qualquer mecanismo. Aparentemente, a operação se concretizava mediante controle remoto. De fato, nas mãos tanto da assistente quanto do doutor havia um bastão da mesma cor azul-metálica da cápsula e repleto de botões. A um gesto do doutor, uma das portas se abriu, para cima. A assistente o pegou pelo braço e conduziu até o interior da cápsula. No exíguo compartimento não havia nada, exceto o ar sufocante e asséptico. Enquanto usuário, ele teria que ficar de pé ali, entre quatro paredes, e esperar... Então adormeceria e, como num sonho, antes de cair, despertaria do outro lado, outro. O processo não consumia mais que dois minutos, garantiu a moça, com uma voz de veludo e um sorriso provocante. Quando fez menção de deixá-lo, ele protestou: "Não".

"Não?", ela disse, surpresa.

Não estava preparado.

"Ninguém jamais estará", filosofou o Dr. K.

Abandonou o estreito compartimento. Durante o tempo que esteve ali suas mãos passearam pela lisa superfície metálica. Assim vira, certa vez, num filme antigo, um homem tocar os livros na estante. Espécie de despedida ou de reconhecimento de um universo ou instante já perdidos ou por esquecer, brevemente... O súbito roçar da morte, talvez, ou o despertar para um incerto mundo de sensações. A verdade era que ali, naquela espécie de ataúde, ele iria desaparecer em breve, e para sempre. Seu último ato nesta vida.

"Eu sei", disse, com um considerável atraso e no tom vazio e hesitante de alguém que a vida inteira foi um tímido, um inadaptado. "Amanhã, sem falta."

Naquela tarde foi visitar a mãe no asilo. E talvez se despedir. Não foi difícil: a velha, diante da tevê, se assemelhava a um peixe impassível dentro do aquário. Emanava indiferença e fleuma. Não era o filho que estava ali, mas um homem qualquer, estranho. O lábio inferior, caído, acentuava-lhe a expressão de desdém e alheamento. Comiserado, ele puxou uma cadeira e se interpôs entre a mãe e a tevê. Para seu assombro, a mulher continuou a olhá-lo como se ele fosse uma extensão do aparelho. E mesmo quando ele o desligou ela não esboçou nenhuma reação. A definitiva ausência de vida útil a suprimira de si mesma. Restava-lhe agora fundir-se à noite... Esta certeza o esmagou.

A esposa o procurou na cama, mas, pela primeira vez desde que se conheciam, ele a recusou, com elegância e uma contenção sexual incomum nos homens. Sem rancor, ela se virou e adormeceu, em segundos, dissolvida na exaustão. De seu lado, ele já ia sonhando, sonhando e sendo absorvido. O Dr. K. e sua assistente os receberam sem ânimo, os gestos bruscos e automáticos. Quando afinal a moça lhe perguntou, friamente, quem desejava ser, ele ficou prostrado, sem palavras. Não concebia a vida como uma escolha senão obscura, indefinida, do acaso...

"Vem", a moça disse, puxando-o delicadamente. "Não importa. É sempre assim, com todos..."

MAYRANT GALLO. Publicado , 03/09/2006, no Correio da Bahia, com uma "hipercorreção" do inteligente revisor do jornal, que estragou o conto. Esta é a versão correta.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Um conto

O argumento

P/ Mayrant Gallo

“ Tenho um argumento de Borges”, disse.
“Como?, perguntei”
“Tenho um argumento de Borges”, disse sentencioso.
Ouvi perplexo aquela confissão, muito mais pela imaginação que pela veracidade do fato. Para dar continuidade aquela conversa sobre literatura, livro, ficção, perguntei:
“ Como conseguiu?”
“ O próprio Borges me deu”.
“Não sabia que havia conhecido Borges?”
“ Deu-me em um de nossos encontros em Buenos Aires”.
“ A tarde era cinza (creio recordar) passeava pelo parque de simetrias labirínticas, lá encontrei Borges.
“ ’Esperava-o’, disse-me, 'escolhi esta tarde em Buenos Aires. Poderia ter sido Genebra, Veneza ou Pequim'. E entregou-me uma folha de papel amarelecida.
Peguei o papel e saí. Sabia que já não haveria diálogo, já havia acontecido e aconteceria.
No segundo encontro falamos das pombas e da prova da existência de Deus. No último perguntei: ’Mas... porque eu?’ `Se não fosse você, seria outro. Um homem é todos os homens. As páginas de Chesterton escrevi-as eu e o Xá da Pérsia, as páginas que escrevi, escrevestes tu e tuas páginas escreveria um outro`.
Guardei o argumento dentro do caderno de anotações e o conservei ali, intacto. Voltei ao Brasil, tempos depois soube que Borges voltara à eternidade. Desde então, aguardei nosso encontro futuro.”
Ouvi o relato quieto, imaginando se não seria mais uma de suas ficções que tendia para o fantástico.
Nos vimos mais duas vezes. Na primeira enumerou-me dez escritores universais: Camus, Machado, Rosa, Cortázar, Márquez, Kafka, Hemingway, Kosztolányi, Conrad e Borges. E mais alguns poetas: Safo, Vilariño, Rilke, Drummond, Bandeira, Káfafis, Baudelaire, Quintana, Vinícius, Rimbaud.
Os pombos comiam tranqüilos a nossa volta. Disse (creio recordar): “ Um pombo, todos os pombos. A frase parecia uma questão medieval.
No ultimo encontro, não disse nada. Tentava fixar, por instantes, alguns rostos que passavam, compreendi que aquele seria nosso último encontro. Deixei-o na praça esperando a eternidade. Tempos depois, uma pequena nota no jornal noticiava sua morte.
Recordava nosso encontro (ou acreditava recordar) naquela praça em Salvador, os pombos e os rostos que tentava fixar. Me perguntava se não havia sido um sonho ou se não éramos personagens de algum de seus contos. Daqueles encontros, restou-me esta folha de papel amarelecida.
Esperava... o arrulhar dos pombos e rostos que passavam inventavam a tarde.




Paulo André Correia (1978). Mora em Picado. Co-editor do Blog.

domingo, 21 de outubro de 2007

POUCAS E BOAS...Com...Lupeu Lacerda.

Entrevista toma da na marra ( risos! ) do nosso amigo de trincheiras Lupeu.

Uma alma Cariri,moldando a massa da poesia ,riscando cadernos e travando a base de foice uma luta de tempo e prosa.Confiram!!!



1-) Dentro desta sua lida de escritor artesão, esculpindo madeira e palavras como é estar na lida da literatura aqui na Bahia?



R. Quem dera esculpir madeira... Ainda vou. Mas por enquanto a coisa é biscuit. Sonhos e palavras de biscuit, anfetamina, cerveja gelada e mais sonhos e mais livros de amigos, e sabendo que: Bahia ou não... Quem quer escrever tem de saber que tem de primeiro ensinar alguém a ler. Coisa difícil. Mas coisas difíceis são buenas. Assim vou: meio Ceará, meio Bahia, comendo prego a arrotando caviar. tem alho, sal, pequi e acarajé na minha vida meus caros. Mas tem um amigo que diz o seguinte: "continua andando. senão vão pensar que tú morreu". Eu? Continuo andando. Poetando, esculpindo, e bebendo uma cerveja (que ninguém é de ferro).



2-)O seu livro de poesias Entre o alho e o sal , quanto deste trabalho tras a você as lembranças do Cariri?



Entre o alho e o sal é Cariri até o tutano. Pra quem vê o livro, pode até parecer só um livro de poesia. Mas pra mim? é um álbum de fotografias. Tem serra, tem floresta, tem água, tem bar de ponta de esquina, tem mulher, tem paixão, tem pé na bunda, tem experiência com drogas buenas e nem tanto, tem livros lidos, filmes vistos e amigos queridos. eu, e tudo que faço, é tudo Cariri. O resto?É lenda pessoal.



3-)Como foi sua experiência como editor de fanzines?Sente saudades deste tempo?



O fanzine se chamava "séquiço sacro". Nome e sobrenome de porrada. Era uma luta braçal "literalmente", mas, puta que pariu!!! Como era bom cara. Os blogs de hoje são sensacionais, mas não são nem a sombra do que foram os fanzines. Tenho saudade cara!!! Datilografar, recortar, colar... porra! Como éramos jovens. Como éramos belos com nossos sonhos de mudar o mundo. O fanzine cara, foi a literatura experimental mais importante dos anos 80 e 90. Exagerado? Como não ser escutando Cazuza?


4-)E suas experiências com a musica e a noite ?



A música entrou na minha vida pela mão da poesia. Eu era o cara esquisito que escrevia, e os caras eram o "remédio anti-monotonia". Nos juntamos e fizemos rocks ingênuos e nem tanto. Tão bonitos que sobreviveram a nós todos. A música ainda hoje tem um papel absolutamente importante na minha vida. Daí, que "leio" Lenine, Zeca Baleiro, Chico César e todos os outros luminares da M.I.B (música inteligente brasileira) sem esquecer de Tom Zé né véio? Que é o papa da pop poesia visceral e verdadeira.



5-) Escrever , sem dúvidas o melhor remédio para nós os doentes deste mundo destroçado O que Lupeu esta aprontando para os leitores?



Estou seguindo o conselho do Gustavo cabeção (o amor é uma coisa feia) estou na luta com o teclado pra escrever um romance, e continuo enlouqueçendo no meu blog: "séquiço sacro", e escrevendo algumas coisas no "cariricult" (precisam ver isso cara!!! o cariricult é a bíblia do cariri). Enfim: Ofício de escritor cara. Se a gente não escreve pira. Ou vira pira. pega fogo geral.



6-)Um recado do Lupeu para quem curte boa literatura?



Dêem uma chance aos novos. Guimarães Rosa, Drummond, Ferreira Gullar... Todos esses caras já foram principiantes. Já escreveram primeiros livros, já erraram pra caralho até acertar. Então? Em sua próxima saída, passe em uma livraria, olhe lá na seção "novos autores", com certeza vocês vão achar alguma coisa - muita coisa - muito boa. Daí, compre um vinho baratinho, acenda um cigarrinho, escute um sonzinho... E boa viagem.



Lupeu Lacerda. Autor de Entre o alho e o sal , também das as caras no blog http://cariricult.blogspot.com/ e em seu blog http://sequicosacro.blogspot.com/

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

PORTEIRA

"Meu canto, lugar algum onde posso encimesmar.Aqui donde olho indeciso pro lado onde quero como quem olha ao longe um carro-de-boi, em sua eterna cantiga".

Eis que a porteira se abre...

Assim,meio sem tino sigo pela vereda.Um som longínquo se desprende da tarde.Uma revoada de pássaros ruma para o sul, sem destino certo.Sob a mira de caçadores, ocultos por entre os arbustos, seguem.

A aquarela cinza e laranja compõe a tarde que se desfaz da luz .Uma luz que grita espessos raios por entre o emaranhado de nuvens acinzentadas. Posso ver por entre o exército de capim.Dançando sob o comando do vento.A tarde desce...

Os primeiros golfos negros da noite se desdobram, e a casa e seu candeeiro, emitindo o sinal de que estou chegando. Porteira aberta, o cheiro do café surgindo da cozinha e invadindo impunemente minhas narinas, tão acostumadas ao cheiro do gado e da lida de terra.

Sempre amei esta lida, sina de todos os que trazem nas veias o sangue aquecido pelo sol destas paragens.E me aquieto ,no silêncio da noite a escutar os grilos fazendo sua festa de escuro e som...



Georgio Silva.Pequena prosa poetica, ou algo assim.Há algum tempo haviamos cogitado a possibilidade de publica-lo no "Entre Aspas".Resisti por muito tempo mesmo.Hoje este texto amanheceu em minha mente, com o nascer do sol. Algumas cabras tocando cincerros na frente da casa...Postei.Espero que gostem.

domingo, 14 de outubro de 2007

Encastelados (Resgate – Lapa) Um conto de Gustavo Rios.

Estou num ônibus lotado. Muito calor. Tem um pivete vendendo balas a um real, aceita vale. Do meu lado uma garota lê com atenção um livro do Cioran. Lá fora, outdoors tentam me convencer que minha vida vale a pena. Se eu tiver um tênis Nike e camisas Lacoste. O motorista não tá nem aí. E acelera. O ruído constante do motor incomoda. Sinto calor. Quero chegar em casa. Minha camisa ensopada de suor, tô um caco. Existem frases surgindo em minha cabeça agora. Mais um livro que vai morrer. Não tenho como anotar as frases. O ônibus balança. O motorista acelera. Pela janela leio algo sobre a felicidade num clube de veraneio. Um outdoor. São doze prestações e “voilá!”, seja feliz meu irmão! Simples assim, seja feliz. Pague as prestações e afogue-se na piscina do clube. No meu rosto acho que tem um riso. Meio insano é verdade. Penso em drinks exóticos. E garotas dançando Ula-Ula para mim. Tem lá no clube. É só pagar. O pivete vende balas, aceita vale. Pede pra eu comprar só para ajudar. Eu não tenho grana. Alguém lá atrás manda o pivete ir estudar. Que aquilo não é vida. A garota do livro de Cioran parece em transe. Vejo que o pivete tá com fome. Bastante fraco. Eu ainda tô suado. O motorista continua firme. Ultrapassando os sinais vermelhos. Choveu na cidade hoje. Pequenas poças de água no chão refletem a felicidade dos outdoors. A felicidade do tênis Nike. E das camisas Lacoste. E do clube com as garotas do Ula-Ula. Simples assim. É só pagar. O ônibus balança. Sinto cansaço. O motorista acelera. A garota continua a ler. Ela chora agora. Um choro convulsivo. Estranho. O pivete vende balas. Aceita vale. Eu tô sonhando com tênis Nike. E com as gostosas do Ula-Ula. A garota ainda tá chorando. Ninguém ouve. Mais um sinal vermelho. A chuva volta. Os vidros embaçam. Quem quer comprar balas, aceita vale. O ruído do motor. Minha cabeça roda um pouco. Cansaço. Mais um sinal vermelho. O pivete tá com fome, eu sei, eu sei, ele vai desmaiar. Ele não tá agüentando. A garota arranca as páginas do livro. O motorista acelera. O motor faz barulho. As pernas do pivete vacilam. Isso foi numa curva. Mais um sinal vermelho, tênis Nike, Ula-Ula, camisas Lacoste, Cioran. O pivete cai no chão, olhos fechados, a garota agora come as páginas do livro, o motorista acelera, o pivete tá com fome, a garota mastiga as páginas do livro, eu quero ser feliz, o motorista sonha com sinais verdes, o pivete no chão e as balas espalhadas, a garota devorando o livro com lágrimas nos olhos e a boca cheia, na cabeça do motorista sinais verdes, na minha tênis Nike, camisas Lacoste e Ula-Ula, a garota agora mastiga a capa do livro, o pivete no chão tá desmaiado, sinais verdes e Ula-Ula e Cioran e balas e poças de água e outdoors e felicidade e camisas Lacoste e o motor ruidoso e tênis Nike e livros sendo mastigados e engolidos e suor e chuva e vidros embaçados e alguém lá atrás, sossegado, batucando um pagode de verão.

GUSTAVO RIOS É autor de O AMOR É UMA COISA FEIA, e mantem o blog http://www.cozinhadocao.blogspot.com/. Conto inédito.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

POUCAS E BOAS...Com...

LIMA TRINDADE


1-Como você vê o desenrolar da literatura aqui na Bahia?


Vejo sob duas perspectivas distintas, a de quem produz a literatura mais especificamente, ou seja, aqueles que escrevem, e a dos agentes que estão ligados a ela indiretamente, os livreiros, professores, editores, jornalistas, políticos... No primeiro caso, creio que a literatura baiana vai muito bem. A cada dia que passa me deparo com um maior número de jovens escrevendo contos, poemas, romances, cordel, etc. São pessoas já com uma determinada bagagem, razoável conhecimento dos clássicos e mente aberta para o novo. E há escritores não tão jovens, com vários livros publicados, algum reconhecimento nacional, mas com muito ainda a dizer ainda. Falo exclusivamente dos escritores radicados aqui, evidentemente. Já quanto à realidade da literatura na Bahia não sou tão otimista. Não há grandes estímulos para absorção da cultura literária no Estado. Para começar, não temos uma única editora representativa no estado. Uma que agregue nomes, publique, distribua e divulgue a produção contemporânea. É assustador. Pernambuco, nesse quesito, está seguindo o bom exemplo dos estados sulistas. Lá, eles criaram um esquema em que a literatura local é prestigiada e consumida. Basta ver o excelente trabalho que a editora Bagaço está fazendo. E o espaço ideal para a absorção desta literatura é a escola. Para você ter uma idéia, há autor que vendeu mais de 100.000 exemplares de um único livro. O Maurício Mello Júnior é um deles. Então, meu caro, não se pode dizer que literatura não se vende, que só tem leitor quem publica no eixo Rio-São Paulo. A questão é pensar a nossa realidade local. Juntar todos os interessados e criar soluções práticas com esse intuito. Recentemente, li uma entrevista com o Secretário de Cultura em A Tarde, o sr. Márcio Meirelles, e havia vários entrevistadores. Quem era de música, cobrava ações para música. Quem era de artes plásticas, discutia a situação das artes plásticas. Teatro... Contudo, para o meu espanto, ninguém sequer resvalou no problema da literatura. Isto não é revelador? E a literatura deveria estar no cerne da discussão. A palavra atravessa as demais expressões artísticas, quer se queira quer não. Quando ela não está presente na obra, é dela, a palavra, que se utiliza para se aproximar receptor e objeto. O domínio da língua e dos sentidos que a linguagem cria interfere diretamente na sensibilidade e acuidade crítica, na capacidade de percepção do indivíduo. O problema é sério
2-Você mantêm uma revista literária eletrônica chamada VERBO 21. O meio digital gera novos autores e divulga os já existentes. É fácil administrar esta onda estando a frente de uma Revista?

Não há uma intenção definida. Para mim, pouco importa se um autor é conhecido ou desconhecido, se é neófito ou escolado, o que importa, dentro da Verbo21, é o texto e a capacidade de articular idéias. Se você observar, buscamos ocupar um espaço de atuação artística em acordo com o nosso tempo, o que pode significar uma não adesão a determinadas linhas de pensamento hegêmonicas, um questionamento ao poder e ao discurso oficioso. Basta conferir, por exemplo, o material de nossas colunas. Discutimos desde questões ecológicas até subjetivades cambiantes, política e sexualidade, cinema e cotidiano.

3-Em seu conto publicado na IARARANA 13 "Com ou sem chantilly?” Você cita Hemingway algumas vezes. Ele certa feita afirmou que escrevia a lápis para não corromper o estilo. Hoje com o advento do computador, internet, qual a sua opinião a respeito do estilo? Estas "facilidades" deturpam o estilo dum escritor? E você como lida com isso?
O estilo, a meu ver, jamais será prejudicado pelo suporte ou ferramenta. O estilo está relacionado com um burilamento interior. Pode vir de modo "fácil", como a autopsicografia de Pessoa, ou "difícil", como o método de Flaubert. A questão é de autoconhecimento. E jamais cair em maneirismos. Eu não sei dizer qual é o meu "estilo". Deixo a tarefa para os críticos.
4-Vários dos seus contos trazem a temática do jovem, sobretudo do jovem escritor,o que você diria a um escritor iniciante?

Estamos na mesma luta, irmão! (risos)... Quando encontro escritores ainda mais jovens do que eu, mais verdes, digo a eles que leiam muito, estudem muito e escrevam sem parar, pois só a prática leva ao aperfeiçoamento.

5-Qual o autor ou autores você traz como referencial no gênero conto?

Inúmeros. Machado, Lima Barreto, Cortázar, João do Rio, Tchecov, Clarice Lispector, João Antonio e Caio Fernado Abreu são alguns deles.
LIMA TRINDADE,Salvador, Autor e editor da revista eletrônica http://www.verbo21.com.br/. "Supermercado da solidão" (novela) e "Todo o Sol mais o Espírito Santo" (contos). LANÇOU DIA 09 DE OUTUBRO DESTE ANO EM SÃO PAULO O LIRVO:CORAÇÕES BLUES E SERPENTINAS

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

MAIS UMA POETISA ....

SINUOSIDADES



quando vi sua hesitação, eu já sabia
é que tenho jeito de moça pura
e cara de mulher vadia

por via das dúvidas, você, cauto,
convidou:
que tal um sorvete e alguns livros de poesia?

adorei a idéia
linda tarde a nossa

quando veio a noite, sugeri qual uma
dama:
que tal uma cachaça nas curvas da cama?


pra nossa delícia, baby
meu prazer tem mais vias que suas dúvidas


POR:Raiça Bomfim

terça-feira, 9 de outubro de 2007

CONVITE

LIRE EN FÊTE - ANO II

Pelo segundo ano consecutivo, a Aliança de Salvador organiza o “LIRE EN FÊTE” ou “A FESTA DA LEITURA”, entre os dias 18 e 24 de outubro (exceto domingo). Na programação estão incluídos três eventos principais: feira de livros, mesa de discussão e leitura dramática de O Burguês Fidalgo realizada pela Trupe de teatro da Aliança da Aliança, sob direção de Isabela Silveira e Lucas Valentim.

Encontro que acontecerá no dia 23 de outubro de 2007, às 19 horas.


domingo, 7 de outubro de 2007

LANÇAMENTO


CLICK NA IMAGEM PARA LER O CONVITE

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Natan Barreto: a palavra do poeta

O poeta baiano Natan Barreto, 40 anos, radicado em Londres, desde 1992, esteve de volta a Salvador, onde lançou seu livro Esconderijos em Papéis, na terça, dia 18, na Saraiva do Salvador Shopping. Na entrevista a seguir, ele fala um pouco sobre o que significa a poesia em sua vida, o processo de criação e a experiência de ser um estrangeiro em terras distantes. Confira!
POR :Márcia Ferreira Luz
1) O que significa a poesia para você?
Natan Barreto - Para mim, a poesia é um modo particular de observar e perceber o mundo, tentando fixá-lo através de palavras. Nisso há uma vontade latente de tornar permanente o que é efêmero. Esses instantes passageiros, que tanto podem fazer parte do mundo real quanto do mundo imaginário, ao ganharem forma de verso, ganham vida própria, podendo mesmo se encontrar justapostos à realidade concreta, quando, ao serem lidos, o leitor tem acesso à visão particular do poeta.
2- Como é seu processo de criar poesias?
NB - Num primeiro momento, gosto de escrever frases soltas, que podem ou não dar origem a versos e acabar virando poesia. Para isso, ando sempre com papel e caneta no bolso, e durmo sempre com papel e caneta ao lado da cama. Essas primeiras anotações, às vezes, são esquecidas na gaveta para serem relidas muitos meses mais tarde. Mas há momentos em que essas observações passam a me acompanhar. Nisso, o meu trabalho se assemelha à criação de um mosaico ou de um quebra-cabeça. A única diferença é que as peças vão sendo feitas à medida em que o poema é realizado. Já ocorreu de eu escrever poemas rapidamente, em poucas horas. No entanto, geralmente preciso de tempo, dias, semanas ou meses. Gosto de me dedicar ao ato de reescrever, de editar, cortar, acrescentar. Mas chega um momento em que é necessário aceitar a poesia escrita, com suas limitações, e deixá-la partir. Aí a poesia passa a não me pertencer. Uma vez publicados, não tenho interesse em reescrever meus versos. Parto para outros, a serem escritos.
3- Qual a poesia que você gostaria de ter escrito?
NB - Seria difícil dizer uma só. São tantos os poetas que admiro e muitas as poesias que gostaria de ter escrito. Mas vou dizer duas. Uma delas é “Morte do Leiteiro”, de Drummond. Lembro-me de que, adolescente, eu gostava de ouvir um disco no qual Drummond e Vinicius liam suas poesias. Até hoje tenho uma fita gravada com a voz desses dois grandes poetas brasileiros. Esse objeto já está em minhas mãos há mais de 20 anos. É o objeto mais antigo que trago comigo. A outra poesia é “Soneto da Fidelidade”, de Vinicius. Tenho lido e estudado sonetos, com o desejo de escrever um livro só de sonetos. Escrevi uns poucos apenas e não são muito bons; ainda estou longe de dominar essa forma poética. Espero um dia chegar lá.
4- Na sua opinião de poeta, por que ainda existe uma certa resistência contra esse gênero?
NB - Por ser mais curta, a poesia é mais densa do que a prosa. Isso faz com que algumas pessoas se afastem dela, até porque a poesia requer uma maior dedicação. Ainda assim, acho necessário desafiar essa percepção, pois embora realmente exista a poesia de difícil acesso, há também poemas extremamente simples e nem por isso menos belos.
5- Você mora há muitos anos fora do Brasil, em que essa experiência influencia na sua escrita?
NB - Acho que em tudo. Talvez eu não tivesse começado a escrever se não tivesse me tornado estrangeiro. Os idiomas aprendidos, os lugares visitados e deixados para trás, as pessoas encontradas, os amores vividos e perdidos, a morte além-mar de meus pais, tudo isso contribuiu e formou a minha poesia. Foi na Europa que eu deixei de ser ator para me tornar escritor. É na Europa que eu escrevo, não no Brasil. Chego a pensar que preciso estar na Europa para escrever sobre o Brasil. Aqui eu armazeno percepções que só lá consigodestilar.
6- Mário Quintana escreveu, certa vez, que fazia poemas para se salvar. Você escreve para quê?
NB - Acho que todo escritor deseja deixar sua marca, como se lutasse contra a morte, como se quisesse se comunicar com futuras gerações. Acho que escrevo por querer tornar eterno o que é efêmero. Mas também escrevo pelo simples prazer de brincar com as palavras.
7- Você acabou de escrever um romance. Como foi essa experiência?
NB - A experiência de escrever um romance foi longa, solitária, árdua e prazerosa. Quando comecei a escrevê-lo, não pensava que seriam necessários quase 10 anos para terminá-lo. Ainda bem que não, pois se eu soubesse disso, talvez eu nem tivesse começado. Faço questão de dizer que não me considero um romancista. Escrevi apenas um romance, por achar que tinha uma história para contar. Não sei se terei outras histórias para contar em forma de romance. Acho difícil. Afinal de contas, para um escritor lento como eu, chegar a 300 páginas requer muito tempo. Vejo-me sim continuando a escrever poesias. E gostaria muito de escrever peças e roteiros, o que comecei a fazer no início dos anos 90, quando morei em Paris. Uma outra dificuldade que me impus foi ter decidido escrevê-lo em inglês. Inglês não é minha língua-mãe, o que fez o processo ficar ainda mais lento. Ainda assim, embora tenha sido árdua a experiência de escrever um romance, ela também foi muito prazerosa. Quase todos os dias havia alguma frase, algum parágrafo, alguma cena que eu gostava. Era isso o que me fazia prosseguir. Além disso, depois de começado o livro, seria uma grande covardia não terminá-lo. Lembro-me dos seguintes versos de Luís de Camões, em Os Lusíadas: “Não tornes por detrás, pois é fraqueza/ Desistir-se da cousa começada.”
8- Você acredita que o Natan Barreto poeta se expõe mais do que o Natan romancista?
NB - Antes de tudo, acredito que não há como um escritor não se expor, por mais que tente. Claro que uns se expõem mais do que os outros. Como poeta, eu me permito falar de aspectos íntimos de minha vida. Nisso há uma grande exposição sim. Como romancista, acredito ter me exposto muito, pois a história que eu contava era, em parte, autobiográfica. No entanto, ter escrito o romance em inglês, me deu a distância necessária para tratá-lo como ficção. Talvez só ao traduzi-lo para o português tomarei consciência de que esse não era bem o caso. De qualquer forma, devido à linguagem mais direta do romance, acredito ter me exposto mais ao escrevê-lo do que quando escrevo poesias.
9- Dizem que o poeta enxerga o mundo com olhos mais românticos. Você acredita nisso?
NB - Não acredito que o poeta dedique às coisas um olhar necessariamente romântico. Acho sim que o poeta busca perceber o outro lado das coisas, o lado nem sempre exposto. Nisso ele pode até desenvolver uma percepção romântica. Mas poderá também acabar se tornando até mais realista do que antes do mergulho poético, devido a uma compreensão maior do mundo. O importante é que busque uma verdade sua, por mais aparentemente fictícia que essa possa ser ou parecer aos outros.
10- Quais são os poetas que você tem lido ultimamente?
NB - Tenho lido a poesia de Elizabeth Bishop, uma poetisa americana que morou muitos anos no Brasil, nas décadas de 50 e 60. Ela foi uma excelente tradutora de poetas brasileiros para o inglês. Traduziu Vinicius, Drummond, Cecília Meirelles e João Cabral de Mello Neto divinamente. Tenho lido também a poesia do grande poeta americano, Walt Whitman. É dele a epígrafe do meu livro. Há pouco tempo, li também Decifração de Abismos, um ótimo livro do poeta alagoano que reside em Salvador, José Inácio Vieira de Melo. Li também o belo livro O Olhar Inventa o Mundo, da poetisa baiana Cacilda Povoas, que também escreveu uma peça de muita importância no momento atual, O Muro.