segunda-feira, 3 de setembro de 2007

SILÊNCIO, POR FAVOR

Ouvira num lugar qualquer a palavra “dissensão”. E essa palavra se fixara em sua mente, acompanhando-a e sendo usada quando havia necessidade de falar algo muito importante e grave. Faltava-lhe critério para uso do termo, não dominava a língua culta, não concatenava as idéias de forma que pudesse dizer o tudo que sentia de forma clara e com um sutil toque de charme e melancolia que tanto gostava (imaginava-se como uma atriz daqueles filmes “cult” franceses que um dia Assistiu num desses cinemas de cadeiras desconfortáveis).
Seu namorado, possuidor de certo conhecimento, desse de teses, dogmas e similares, reclamava freqüentemente de sua incapacidade de falar coisas proveitosas, das artes, das questões filosóficas e de outras aflições do tipo, enquanto ela pensava na palavra mais bela que um dia escutou. E distraía-se olhando para o nada; suas pupilas fixas e imóveis, enquanto ele falava e falava e falava. Depois, ela abria as pernas. Fazendo-o esquecer dos falsos tormentos. Dizia sacanagens, em seu linguajar coloquial-quase-chulo (não gostava de labirintos e filosofias, mas o amava e tinha medo de perdê-lo).
Em sua mente, só a tal palavra. Tão linda e forte, uma palavra robusta, valorosa: dita por ela, uma merdinha insignificante, frouxa e dispensável. E lembrava dela, da palavra. E da vida, de seu sincero sentimento, chorando de dor e felicidade, enquanto com agulha e linha (os olhos em lágrimas, as perfurações em seus lábios), costurava a própria boca, para poder amar seu homem em silêncio.


GUSTAVO RIOS nasceu em 1974. É baiano e mora em Salvador. É autor do livro de contos O amor é uma coisa feia, lançado pela editora 7 letras. Escreve regularmente nos blogs www.cozinhadocao.blogspot.com e http://feioamor.zip.net.

3 comentários:

anjobaldio disse...

Muito bom.

Senhorita B. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Senhorita B. disse...

O livro de Gustavo é muito bom. Parabéns ao Entre aspas por ter feito esta escolha.
Abraços,
Renata