terça-feira, 29 de janeiro de 2008

ACERTANDO A MÃO COM AS MICRO-IRONIAS

Em entrevista concedida a Mayrant Gallo, Wilson Gorj, que publicou recentemente seu primeiro livro, Sem contos longos, defende os minicontos e microcontos como gêneros promissores e capazes de se rivalizar com os “grandes” textos. Fala ainda de sua preferência pela leitura em detrimento da escritura e também de sua opção pela ironia, herança de suas leituras machadianas.

MAYRANT GALLO: Em julho você completará 31 anos... Quantos de literatura? E como tudo começou? Quais foram as suas motivações?
WILSON GORJ: Passei a interessar-me pelos livros por volta dos 18 anos. No meu caso, o hábito da leitura nasceu, precisamente, de um clássico: O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, livro que me iniciou em definitivo no universo da literatura. Desde então não parei mais de ler. Várias obras já passaram debaixo dos meus olhos, das quais “pesquei” muita coisa que me serviu de aprendizado e estímulo. Pois a vontade de escrever surgiu logo no início desse contato com os livros. Minhas leituras, portanto, serviram, e continuam servindo, para aprimorar e lapidar minha escrita. De uns tempos pra cá, parece que tem começado a dar resultado. Já ganhei alguns prêmios literários aqui na minha região, participei de antologias e, recentemente, lancei meu primeiro livro, o Sem Contos Longos.

MG: Você é mais tempo escritor ou leitor? O que prefere: ler ou escrever? Jorge Luis Borges preferia ler. Já Camilo José Cela disse certa vez que com o tempo o escritor sufocou o leitor... O que acha disso?
WG: Considero-me mais capacitado como leitor. Estou com Borges: orgulho-me mais dos livros que leio. Até gostaria de escrever todo dia, encher laudas e laudas com meus textos. Mas não é assim que acontece comigo. Costumo anotar num caderno as idéias e os esboços das histórias que me ocorrem. O processo de lapidação vem depois; às vezes, demora semanas até que eu consiga dar a esses rascunhos um acabamento satisfatório. Com o tempo, o autor acaba descobrindo o seu próprio método de criação e através dele desenvolve sua obra.

MG: O que é ser escritor para você? O Wilson Gorj escritor interfere no Wilson Gorj cidadão? Ou você é daqueles escritores que separam muito bem as duas pessoas?
WG: Encaro o escritor como um artista. Também aqui entra em jogo a natureza e as peculiaridades de cada autor. Há quem veja nesse ofício uma ferramenta a favor da humanidade, ou, ainda, de um ideal, de uma convicção filosófica ou política. Não olho a literatura por esse prisma. Vejo-a mais como arte. Daí o meu fascínio pelas palavras –– a busca pelo ritmo, pela frase perfeita. Quanto a separar nossas facetas, podemos até conseguí-lo à vista dos outros, mas não aos nossos próprios olhos. O escritor sempre influirá no cidadão, e vice-versa.

MG: Seu livro de minicontos, Sem contos longos, é vazado de humor e ironia. Você sempre foi assim ou descobriu esta faceta com a criação literária?
WG: O humor devo à vida (aos familiares, amigos, quem sabe à minha natureza). Já a ironia, credito boa parte dela a Machado de Assis, autor que me influenciou muito. Portanto, casá-los (humor e ironia) às minhas histórias tem sido algo natural. Esse tipo de literatura, as micronarrativas, conquistou-me pra valer. Acho que nelas encontrei a minha praia. A bem da verdade, comecei a dedicar-me a esse gênero em resposta a prolixidade dos contos que antes escrevia. Eis aí umas das razões da escolha do título do meu livro. É como se eu dissesse para mim mesmo: “Chega de contos longos!” O que não quer dizer que eu não os aprecie. Embora prefira romances, de vez em quando mergulho num livro de contos. Mas, quanto a escrevê-los, ao menos por ora, pretendo continuar assim: modelando-os em miniatura. Tem sido mais fácil de acertar a mão.

MG: Este é seu primeiro livro? Como ele surgiu? Você o projetou ou os contos foram acontecendo espontaneamente?
WG: Sim, é o primeiro. A idéia de publicá-lo resultou de uma parceria: uma iniciativa minha e do professor Alexandre M. L. Barbosa, diretor-proprietário do jornal O Lince, no qual publico, mensalmente, os meus minicontos. Boa parte dos que estão presentes no livro Sem Contos Longos foi escrita, inicialmente, para figurar no jornal. Outros minicontos derivaram de um regime a que submeti alguns velhos contos meus, então obesos de palavras. Outra parte, porém, eu já havia escrito bem antes de conhecer o gênero.

MG: Muitos consideram o miniconto ou microconto um argumento não desenvolvido... Há autores, porém, que os defendem como um gênero à parte, mistura de conto, piada e poesia. Qual a sua opinião?
WG: Acho que a literatura não perde nada com os micro ou minicontos. Pelo contrário: eles estão a enriquecendo, angariando mais pessoas para o hábito da leitura. Muitos já procuraram defini-los; alguns até subestimam o seu valor literário. Quanto a mim, o que penso a respeito é bem simples: não é o tamanho, mas a qualidade que eleva um texto. Atualmente, têm-se produzido micronarrativas nas quais não faltam os atributos que encontramos nos grandes textos.

MG: Dalton Trevisan também migrou dos contos mais longos para os minicontos, enfeixados em Pico na veia e em outros livros. E também exercitando o humor e a ironia. Ele foi uma influência para você?
WG: Antes do meu livro, não. Na verdade, já havia lido O vampiro de Curitiba, mas foi só depois de publicar o Sem Contos Longos que me interessei pelos consagrados minicontos do Dalton (no meu caso, os contidos nos livros Ah, é? e 234). Ainda pretendo ler outros dois: o referido Pico na veia e o Arara bêbada.

MG: Como é a vida literária em Aparecida? Os escritores se encontram em livrarias ou sebos? Costumam se reunir, trocar idéias, se auxiliar? Há eventos de leitura? Ou todos criam em solidão e não se lêem uns aos outros?
WG: Dizer que é intensa seria uma grande mentira. Mas não posso afirmar o contrário. Provavelmente há aqui autores que eu desconheça e que, talvez, se relacionem. Quanto à troca de idéias e apoios, começo a usufruir disso agora, com a publicação do meu livro. Tenho mantido contato com autores da região, em sua maioria poetas. Próximo daqui, em Guaratinguetá, conheço dois bistrôs onde pessoas se encontram para ouvir boa música e declamarem poemas de amigos e de outros poetas.

MG: Podemos dizer então que você estreou relativamente tarde, aos trinta anos... Quais são os seus projetos literários? Algum livro em vista? E os engavetados, há alguma salvação para eles?
WG: Um pouco tarde, mas nem tanto. Muitos escritores estrearam depois dos trinta. Contudo, isso não diz nada. Até porque o que faz a diferença é a qualidade do livro, não importando se o autor tenha vinte, trinta ou cinqüenta anos. Aliás, há autores que desprezam seu livro de estréia, justamente com a desculpa de que eram muito novos e inexperientes. Para mim, o Sem Contos longos veio num momento oportuno. Já tinha visto textos meus publicados em antologias, mas isso não supera a satisfação de ter nas mãos um livro só meu. Satisfação que quero ver repetida muito em breve. Talvez ao fim deste ano, ou talvez no começo de 2009, eu publique mais um livro de minicontos. Material para tanto não me falta. Porém, dessa vez, quero produzir ainda mais, com vistas a ter maior opção de escolha e assim obter uma publicação de mais qualidade. Muitos textos ficaram “engavetados” após terem sido descartados deste meu primeiro livro. Quem sabe alguns deles tenham vez no próximo.

MG: Que livro você recomendaria como fundamental para a formação de qualquer escritor? E por quê?
WG: Pergunta complicada. No meu conceito, cada leitor tem o autor que merece. De modo que os meus escritores prediletos podem não surtir nenhum efeito criativo ou motivador a outros aspirantes. Tudo dependerá do que e de como se pretende escrever. Certo é que, em cada gênero e categoria literários, há livros e escritores dignos de se espelhar. Para mim, foram fundamentais as obras de Machado de Assis. Contudo, poderia citar muitos outros, pois, para chegar aos contos curtos, tive de percorrer antes uma longa lista de autores. Todos, de certa forma, influenciaram na minha formação.

MG: Que texto de Machado de Assis é o seu preferido? Aquele que você, se começar a ler, não pára mais ou que gostaria de ter escrito... Defina-o ou qualifique-o numa única frase.
WG: Antes, preciso confessar que há tempos não leio nada do “Bruxo do Cosme Velho”. Mas dele já li todos os romances e dezenas de contos, dos quais muitos eu gostaria de ter escrito. Desses cito apenas os que me vem à lembrança: A cartomante, Uns braços, Trio em lá menor, Cantiga de esponsais, Quem conta um conto... Machado de Assis é um escritor universal, um mestre para quem pretende aprender a arte de contar histórias em grande estilo.


WILSON GORJ nasceu em 1977, em Aparecida, SP. Mais de e sobre WG em: omuroeoutraspgs.blogspot.com

MAYRANT GALLO é escritor e mora em Salvador, BA. Publicou O inédito de Kafka (CosacNaify, 2003).


O CENTÉSIMO CONTO DOS SEM CONTOS LONGOS

Deus finalmente resolveu tirar umas férias.

Sendo assim, ao partir em viagem, delegou o comando do Universo a São Francisco, a quem também confiou a responsabilidade de Sua Onipotência.

Eras depois, findo o período de recesso, Deus retornou sem avisar.

Dentre as inovações que percebera no Céu, a que mais lhe chamou a atenção foi a cessação dos gemidos que antes, interminavelmente, subiam do Inferno.

Mal desfez as malas, desceu para lá voando, a fim de averiguar o que tinha acontecido em sua ausência.

Mas qual não foi a sua surpresa ao presenciar as mudanças implantadas ali!

Movido por uma compaixão sem limites, o Santo Piedoso havia transformado o Inferno em um novo Paraíso.

A Deus não restou outra escolha senão fechar as portas do Céu e também se mudar para lá.


WILSON GORJ. In: Sem contos longos. Aparecida: Edição do Autor, 2007.

4 comentários:

Anônimo disse...

Fiquei com vontade de ler o livro de Wilson Gorj e mergulhar mais na leitura de mini-contos! E concordo plenamente com o autor quando fala em Machado de Assis. Também sou fã de carteirinha do “Bruxo do Cosme Velho”!

Angela disse...

Este moço vai cada vez melhor.
Seus últimos contos "homeopáticos" publicados são primorosos.
Esta entrevista está muito boa. Achei muito bem conduzida,as perguntas são oportunas e parecem fiéis ao pensamento do autor.
Parabéns a todos.

Anônimo disse...

sem contos longos, depois da entrevista e da leitura do que vcs publicaram dar vontade ler.
bom entreaspas, vcs estão agora linkados no www.ronaldobras.blogspot.com
passem por lá.

Anônimo disse...

Se há um slogan para o livro do W.Gorj é VALE A PENA LER DE NOVO! Ele é um mega mago das mini-narrativas! Parabéns, Wilson! Clap, clap, clap! Diretinho do fã-clube, em RECIFE!:P