SEM NOME
a mãe comia com as mãos
o pai comia com os olhos
o irmão comia com os pés
a anoréxica não comia
& o filho come pelas beiradas
ela come como um crime
que comete ao sabor de
descaso & culpa & fome
de noite se deita & relembra
a história que a consome
tem o gosto da sua própria carne
& do seu próprio sangue no abdome
é entre os dez dedos doídos &
os muitos dentes roídos que vive
o dissabor de uma história sem nome
ÁLBUM
a mãe comia com as mãos
o pai comia com os olhos
o irmão comia com os pés
a anoréxica não comia
& o filho come pelas beiradas
ela come como um crime
que comete ao sabor de
descaso & culpa & fome
de noite se deita & relembra
a história que a consome
tem o gosto da sua própria carne
& do seu próprio sangue no abdome
é entre os dez dedos doídos &
os muitos dentes roídos que vive
o dissabor de uma história sem nome
ÁLBUM
para Yara Camillo
§
cidades são ante-salas das coisas vividas
§
parques são cinemas em 180 graus na cabeça
§
estradas são sinais de fumaça para os pés
§
panelas são caixas que registram a ascendência
§
aviões são espirais intermináveis do passado
§
espelhos são maçãs da árvore do conhecimento
§
ruas são cordas em que esticamos o céu
§
postes são peças de um jogo de tabuleiro
§
praias são formigueiros nos cinco sentidos
§
óculos são jardins que escondem vida selvagem
§
pontos-de-ônibus são histórias de pescador
§
quartos são xícaras à beira da mesa
§
cabelos são garrafas vazias depois da festa
§
escolas são estantes cheias de pardais
§
discos são máquinas de voar que são discos
§
amigos são outros que nos levam a (ser) outros
§
casas são sapatos apertando pés suspensos
§
livros são bichos que criamos para nos matar
§
peles são vulcões que nascem ao rés do corpo
§
lábios são gestos de nossas mãos em flor
§
barbas são espinhos cultivados com ternura
§
mortos são pêlos brancos à mostra no nariz
§
escritos são escritos são escritos são escritos
Sandro Ornellas (1971) nasceu em Brasília-DF e mora em Salvador-BA. Publicou os livros de poemas SIMULAÇÕES (1998, Salvador, Fundação Casa> de Jorge Amado, Prêmio FCJA/COPENE para autores inéditos) e TRABALHOS DO CORPO (2007, Rio de Janeiro, Letra Capital). Também é professor de literatura na UFBA.
4 comentários:
O Sandro escreve como quem navega. É bonito.
Muito bons os poemas!
Poemas que querem nomear. Gosto muito deles.
Martha
acho impressionante a versatilidade do poeta, ora escrutando um tema com violência e fome, ora se espraiando em versos longos, catálogos de coisas, classificações, recados, prima de cores, desalinhos.
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