O poeta baiano Natan Barreto, 40 anos, radicado em Londres, desde 1992, esteve de volta a Salvador, onde lançou seu livro Esconderijos em Papéis, na terça, dia 18, na Saraiva do Salvador Shopping. Na entrevista a seguir, ele fala um pouco sobre o que significa a poesia em sua vida, o processo de criação e a experiência de ser um estrangeiro em terras distantes. Confira!
POR :Márcia Ferreira Luz
1) O que significa a poesia para você?
Natan Barreto - Para mim, a poesia é um modo particular de observar e perceber o mundo, tentando fixá-lo através de palavras. Nisso há uma vontade latente de tornar permanente o que é efêmero. Esses instantes passageiros, que tanto podem fazer parte do mundo real quanto do mundo imaginário, ao ganharem forma de verso, ganham vida própria, podendo mesmo se encontrar justapostos à realidade concreta, quando, ao serem lidos, o leitor tem acesso à visão particular do poeta.
2- Como é seu processo de criar poesias?
NB - Num primeiro momento, gosto de escrever frases soltas, que podem ou não dar origem a versos e acabar virando poesia. Para isso, ando sempre com papel e caneta no bolso, e durmo sempre com papel e caneta ao lado da cama. Essas primeiras anotações, às vezes, são esquecidas na gaveta para serem relidas muitos meses mais tarde. Mas há momentos em que essas observações passam a me acompanhar. Nisso, o meu trabalho se assemelha à criação de um mosaico ou de um quebra-cabeça. A única diferença é que as peças vão sendo feitas à medida em que o poema é realizado. Já ocorreu de eu escrever poemas rapidamente, em poucas horas. No entanto, geralmente preciso de tempo, dias, semanas ou meses. Gosto de me dedicar ao ato de reescrever, de editar, cortar, acrescentar. Mas chega um momento em que é necessário aceitar a poesia escrita, com suas limitações, e deixá-la partir. Aí a poesia passa a não me pertencer. Uma vez publicados, não tenho interesse em reescrever meus versos. Parto para outros, a serem escritos.
3- Qual a poesia que você gostaria de ter escrito?
NB - Seria difícil dizer uma só. São tantos os poetas que admiro e muitas as poesias que gostaria de ter escrito. Mas vou dizer duas. Uma delas é “Morte do Leiteiro”, de Drummond. Lembro-me de que, adolescente, eu gostava de ouvir um disco no qual Drummond e Vinicius liam suas poesias. Até hoje tenho uma fita gravada com a voz desses dois grandes poetas brasileiros. Esse objeto já está em minhas mãos há mais de 20 anos. É o objeto mais antigo que trago comigo. A outra poesia é “Soneto da Fidelidade”, de Vinicius. Tenho lido e estudado sonetos, com o desejo de escrever um livro só de sonetos. Escrevi uns poucos apenas e não são muito bons; ainda estou longe de dominar essa forma poética. Espero um dia chegar lá.
4- Na sua opinião de poeta, por que ainda existe uma certa resistência contra esse gênero?
NB - Por ser mais curta, a poesia é mais densa do que a prosa. Isso faz com que algumas pessoas se afastem dela, até porque a poesia requer uma maior dedicação. Ainda assim, acho necessário desafiar essa percepção, pois embora realmente exista a poesia de difícil acesso, há também poemas extremamente simples e nem por isso menos belos.
5- Você mora há muitos anos fora do Brasil, em que essa experiência influencia na sua escrita?
NB - Acho que em tudo. Talvez eu não tivesse começado a escrever se não tivesse me tornado estrangeiro. Os idiomas aprendidos, os lugares visitados e deixados para trás, as pessoas encontradas, os amores vividos e perdidos, a morte além-mar de meus pais, tudo isso contribuiu e formou a minha poesia. Foi na Europa que eu deixei de ser ator para me tornar escritor. É na Europa que eu escrevo, não no Brasil. Chego a pensar que preciso estar na Europa para escrever sobre o Brasil. Aqui eu armazeno percepções que só lá consigodestilar.
6- Mário Quintana escreveu, certa vez, que fazia poemas para se salvar. Você escreve para quê?
NB - Acho que todo escritor deseja deixar sua marca, como se lutasse contra a morte, como se quisesse se comunicar com futuras gerações. Acho que escrevo por querer tornar eterno o que é efêmero. Mas também escrevo pelo simples prazer de brincar com as palavras.
7- Você acabou de escrever um romance. Como foi essa experiência?
NB - A experiência de escrever um romance foi longa, solitária, árdua e prazerosa. Quando comecei a escrevê-lo, não pensava que seriam necessários quase 10 anos para terminá-lo. Ainda bem que não, pois se eu soubesse disso, talvez eu nem tivesse começado. Faço questão de dizer que não me considero um romancista. Escrevi apenas um romance, por achar que tinha uma história para contar. Não sei se terei outras histórias para contar em forma de romance. Acho difícil. Afinal de contas, para um escritor lento como eu, chegar a 300 páginas requer muito tempo. Vejo-me sim continuando a escrever poesias. E gostaria muito de escrever peças e roteiros, o que comecei a fazer no início dos anos 90, quando morei em Paris. Uma outra dificuldade que me impus foi ter decidido escrevê-lo em inglês. Inglês não é minha língua-mãe, o que fez o processo ficar ainda mais lento. Ainda assim, embora tenha sido árdua a experiência de escrever um romance, ela também foi muito prazerosa. Quase todos os dias havia alguma frase, algum parágrafo, alguma cena que eu gostava. Era isso o que me fazia prosseguir. Além disso, depois de começado o livro, seria uma grande covardia não terminá-lo. Lembro-me dos seguintes versos de Luís de Camões, em Os Lusíadas: “Não tornes por detrás, pois é fraqueza/ Desistir-se da cousa começada.”
8- Você acredita que o Natan Barreto poeta se expõe mais do que o Natan romancista?
NB - Antes de tudo, acredito que não há como um escritor não se expor, por mais que tente. Claro que uns se expõem mais do que os outros. Como poeta, eu me permito falar de aspectos íntimos de minha vida. Nisso há uma grande exposição sim. Como romancista, acredito ter me exposto muito, pois a história que eu contava era, em parte, autobiográfica. No entanto, ter escrito o romance em inglês, me deu a distância necessária para tratá-lo como ficção. Talvez só ao traduzi-lo para o português tomarei consciência de que esse não era bem o caso. De qualquer forma, devido à linguagem mais direta do romance, acredito ter me exposto mais ao escrevê-lo do que quando escrevo poesias.
9- Dizem que o poeta enxerga o mundo com olhos mais românticos. Você acredita nisso?
NB - Não acredito que o poeta dedique às coisas um olhar necessariamente romântico. Acho sim que o poeta busca perceber o outro lado das coisas, o lado nem sempre exposto. Nisso ele pode até desenvolver uma percepção romântica. Mas poderá também acabar se tornando até mais realista do que antes do mergulho poético, devido a uma compreensão maior do mundo. O importante é que busque uma verdade sua, por mais aparentemente fictícia que essa possa ser ou parecer aos outros.
10- Quais são os poetas que você tem lido ultimamente?
NB - Tenho lido a poesia de Elizabeth Bishop, uma poetisa americana que morou muitos anos no Brasil, nas décadas de 50 e 60. Ela foi uma excelente tradutora de poetas brasileiros para o inglês. Traduziu Vinicius, Drummond, Cecília Meirelles e João Cabral de Mello Neto divinamente. Tenho lido também a poesia do grande poeta americano, Walt Whitman. É dele a epígrafe do meu livro. Há pouco tempo, li também Decifração de Abismos, um ótimo livro do poeta alagoano que reside em Salvador, José Inácio Vieira de Melo. Li também o belo livro O Olhar Inventa o Mundo, da poetisa baiana Cacilda Povoas, que também escreveu uma peça de muita importância no momento atual, O Muro.
Um comentário:
Aproveito a oportunidade para dar a Natan os meus parabens pelo seu trabalho e pelos seus pensamentos.
Pedro Luz (Portugal/Inglaterra)
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