sexta-feira, 11 de maio de 2007

Com a Palavra...

MAYRANT GALLO
1) Por que você escreve?

Antes eu escrevia por necessidade de expressão e, de certa forma, para organizar o mundo à minha volta, compreendê-lo. Essa é uma utopia de muitos escritores: Moravia, Faulkner, Graciliano. Hoje, escrevo por diversão, gozo pessoal e, talvez, vaidade. Como só escrevo o que quero, sem pressão alguma de ninguém, não vou adiante se o texto não me fornecer prazer, ainda que seja uma simples crônica ou mesmo um ensaio. Quanto à poesia, é outra história: ainda escrevo (e acho que sempre escreverei) poesia impelido por uma inquietação, algo que está temporariamente dentro de mim e teima em sair, e só o faz mediante palavras, textura sonora, metáforas, ironia. Não é por acaso que se diz que só a poesia confere sentido ao homem e à vida. Ao projetarmos um novo eu a cada poema (o eu do poema não é o do poeta, fique claro isso), nos ampliamos como homens e, assim, nos justificamos perante nós mesmos, embora para nada, já que vamos morrer. Em suma, também escrevo, talvez inconscientemente, para amenizar o fato de que estou no mundo só de passagem. Neste caso, cada texto seria potencialmente uma pegada, um vestígio de nós entregue, por algum tempo, à indiferença do mundo.


2) O que gostaria de escrever e por quê?

Gostaria de escrever um romance policial, porque aprecio muito este gênero, tão mal-visto e tão mal-lido. Todavia, o meu propósito é bem mais complexo do que aparenta (e talvez por isso eu jamais o realize), pois tenho em mente dar vida, precisa e profunda, a uma determinada época e um determinado lugar. O entrecho seria policial, mas na verdade a intenção seria investigar um mundo específico, com sua gente, suas particularidades, seus sonhos, amores, medos e desavenças. Algo assim como A colméia, de Camilo José Cela, ou Santuário, de Faulkner. Além disso, penso que a linguagem deveria, por violação ao gênero e sugestão do assunto, transitar para a poesia, a prosa poética, em tom artístico, o que seria uma difícil empresa, tanto para mim – uma vez que o gênero policial deve forçosamente ser límpido e direto – quanto para o leitor, que, em geral, ao ler um romance de tal ordem, não quer perder tempo atentando para a linguagem, pois não admite se desviar da trama: a investigação de um crime ou o crime em si. Confesso que já tentei escrevê-lo três vezes e fracassei em todas. Meu consolo é que pelo menos um desses textos abortados deverá se transformar num conto. Aos outros dois, vai bem o lixo...


Mayrant Gallo(1962). Contista e poeta. Autor de O inédito de Kafka (CosacNaify, 2003).

8 comentários:

Anônimo disse...

Como eu gostaria de ter tão boas respostas! Parabéns, Mayrant. Abraços aos quatro rapazes. Mônica

Anônimo disse...

Confesso que fiquei com vontade de ler um romance policial escrito em prosa poética... Como leitora e admiradora sua que sempre fui, aguardo com ansiedade.
Um abraço,
Ângela.

Vivz disse...

Admitir que se escreve por vaidade é para poucos. Muito poucos. Talvez alguns ainda o façam para o analista, mas assim publicamente...
Coragem de causar inveja.

Anônimo disse...

O Amos Óz perpetrou um bom romance em prosa poética. Estou certo que sairá este poema policial do Mayrant. E será dos melhores -não há como ser diferente. Abr. Carlos Barbosa

Vivz disse...

Oi, Thiago. Obrigada pela visita e pelo comentário. Nem sempre teço comentários, mas sempre dou uma futucada na revista.

Um abraço.

Marcela Soares disse...

Que respostas, Mayrant! Em parte, uma bela aula de teoria literária. Esperemos, então, pelo romance. (Ainda mais que seria tipo Santuário, de Faulkner, que é um livro excelente). Beijos.

Anônimo disse...

Mayrant,
Sempre mestre. Sorte minha ter este grande amigo.
Abraços,
Renata

Anônimo disse...

Mayrant, os teus textos entregues à indiferença do mundo? Não acredito não! Pode até demorar, mas você será reconhecido como o ótimo escritor que é! Abraço.