segunda-feira, 18 de junho de 2007

"Perfil" (11)

"TRANSA"


"Nove entre dez estrelas de cinema me fazem chorar". Quem disse que eu não curto algumas frases de efeito? Tenho também minhas recaídas e alguns gostos sofisticados. Aliás, muito além das frases de efeito, gosto de musiquinhas desconhecidas e ininteligíveis. É como uma necessidade de complicar mais a vida. Ou embelezá-la; quem vai saber?
Sim, eu ouvia um disco do Caetano...
Quando você ligou naquela madrugada, com sua voz dissimulada, estranhei a repentina vontade de "transar" comigo. Mesmo assim deu tesão. Apesar da sua previsível falsidade. Acabei topando somente por causa de minha ereção. Só por ela, pois o que havia de amor estava encerrado. Morto há muito tempo.
Eu te avisei. Por isso não haverá flores nem vinho tinto. Quando você falou em "pintar no meu apê", apenas repeti a música do Caetano - a que fala sobre artistas de cinema - e esperei. Além do mais, você usou umas gírias bastante antiquadas - "apê", "transa" e "pintar" são gírias de bicho grilo de merda que vive num casamento também de merda.


Alguns enigmas surgiram para mim nessa noite: esse disco do Caetano não tem nenhuma referência, é desconhecido e doloroso; e você me falou que eu "comia pelas beiradas". Outra gíria antiga, você se referia às minhas infrutíferas cantadas de meses atrás. Duas perguntas sem resposta. Algumas coisas, incluindo suas perguntas, não valem o mínimo esforço. Mais uma vez a música do Caetano. É uma boa música...
Não quero uma palavra que não seja obscena quando você chegar aqui. Termos chulos. Cheios de obscenidades: putaria, para ser mais claro. Vamos incrementar a coisa, se é para se consumir nesse fogo e sacanear os outros. Sem flores e vinho tinto nesta tua vingança de teu marido.
Para você só minha ereção, lembranças tristes e alguns comentários sobre os mistérios contidos nesse disco. Para te confundir e te entediar. E depois que eu gozar da maneira mais sacana possível, quero ficar só. Com o disco do Caetano. E a música que fala sobre a emoção de ver a Brigitte Bardot resplandecente numa tela de cinema.


Gustavo Rios nasceu em 1974. É baiano e mora em Salvador. É autor do livro de contos O amor é uma coisa feia, lançado pela editora 7 letras. Escreve regularmente nos blogs www.cozinhadocao.blogspot.com e http://feioamor.zip.net.

Um comentário:

Vivz disse...

Terminar só com o disco do Caetano já uma vingança e tanto. Muito bom.